O cérebro vai à escola

Rogéria Soares

Neurociências a serviço da aprendizagem na contextualização das experiências socioculturais de seus diversos atores.
Introdução
A Educação tem por finalidade criar oportunidades e proporcionar orientação para a aprendizagem. Uma aprendizagem que, para ser realizada, requer várias funções mentais, as quais, através do cérebro, processam estímulos oriundos do ambiente e elaboram respostas com a finalidade de sobrevivência do sujeito.
Sobrevivência que, em nossa contemporaneidade, na era do conhecimento, se encontra fortemente ligada ao bom desempenho educacional. Como apontam Bourdieu e Passeron (2008), “[...] o valor de uma produção profissional é sempre socialmente percebido como solidário do valor do produtor e este por sua vez como resultante do valor escolar de seus títulos”.
Um valor escolar que, através da aprendizagem, na compreensão de como o cérebro aprende e armazena informações, une a educação às neurociências. Direcionando o olhar do educador a práticas pedagógicas que, na conversa de bilhões de neurônios via neurotransmissores e impulsos elétricos, na construção de significados, estimulem o cérebro à produção de uma aprendizagem que proporcione ao formando recursos que permitam transformar sua prática e o mundo em que vive.
O desenvolvimento de técnicas modernas para o estudo da atividade cerebral em crianças, adolescentes e adultos, durante a realização de tarefas cognitivas, tem permitido uma investigação mais precisa dos circuitos neuronais durante seu funcionamento, que geram as capacidades intelectuais humanas, como linguagem, criatividade, raciocínio (ROCHA; ROCHA, 2000).
Considerando o aprendizado um aspecto fundamental para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores, Vygotsky alerta para a interação entre aprendizado e desenvolvimento. Não ignorando os aspectos biológicos, ele fala do desenvolvimento humano, atribuindo grande importância ao social, à interação dialética do homem e seu meio sociocultural. Sendo o social o fornecedor dos símbolos que levam o homem a “aprender” como agir no mundo em que está inserido.
Poderíamos dizer assim: existe um processo de aprendizagem; ele tem a sua estrutura interior, a sua sequência, a sua lógica de desencadeamento; e, no interior, na cabeça de cada aluno que estuda, existe uma rede subterrânea de processos que são desencadeados e se movimentam no curso da aprendizagem escolar e possuem a sua lógica de desenvolvimento (VYGOTSKY, 2009).
Papert (1985), repetindo Vygotsky, reforça a ideia de que o professor deve assumir um papel de facilitador, mediador e promotor do processo de aprendizagem, estimulando a construção do conhecimento de forma a criar um ambiente onde o aluno é o sujeito da aprendizagem. Uma aprendizagem que surge a partir dos interesses ligados ao universo do aluno, no qual o aluno aprende a partir de melhores oportunidades de construção oferecidas pelo professor.
No processo de aprendizagem, o formando capta a informação através da percepção, com um olhar definido quanto à intencionalidade da visão, no que se refere à atenção. Assim, a introdução do conteúdo da aula deve ser trabalhada pelo professor/facilitador de forma a estabelecer uma intenção a fim de uma maior fixação do que se destina a ser apreendido. A relação do formando com o objeto de estudo vai variar no que se refere à percepção, de acordo com experiências, saberes, crenças, afetos, ou seja, de acordo com a cultura na qual está inserido.
Nesse contexto, a compreensão, por parte dos educadores, dos processos associados ao neurodesenvolvimento, de como o formando interage com seu entorno social a partir dos estímulos provenientes do mesmo, levando em consideração idade, grau de maturação e fatores neurobiológicos, contribui para um melhor entendimento dos mecanismos de aprendizagem e na identificação dos sintomas ligados às suas dificuldades.
Trazendo como exemplo a leitura, temos uma habilidade que inicia na análise visual, ligada diretamente à atenção e ao sistema sensorial, para a associação grafema-fonema e leitura global da palavra, ativando áreas cerebrais onde as estruturas neurais ligadas ao processo de leitura estão distribuídas.
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Áreas cerebrais associadas à leitura: área visual primária, situada nos lobos occipitais de ambos os hemisférios, ativada inicialmente durante a visualização da palavra a ser lida. Porção posterior do giro temporal superior e dos giros angular e supramarginal, ativados principalmente durante o processo de análise fonológica de uma palavra, ou seja, na segmentação das unidades que a compõem. Junção dos lobos temporal (mais inferiormente) e occipital, considerados áreas secundárias da visão, destacando-se mais especificamente os giros lingual e fusiforme, além de partes do temporal médio, que são ativadas principalmente durante o ato da análise visual da palavra. Isso permite a interpretação direta da palavra, ou seja, efetua-se uma transferência direta da análise ortográfica para o significado (MIOTTO, 2012).
Partindo da questão neurológica de que os receptores da retina estão ligados a células nervosas através das sinapses1, formando uma rede que completa o processamento da informação, temos o olhar funcionando como uma máquina fotográfica, onde a percepção da imagem é realizada em um processo cerebral que trata a informação visível, codificando-a e interpretando-a: imagens percebidas de formas variadas pelo cérebro e processadas como informação por movimentos oculares constantes.
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1 – Região em que ocorre a transformação do estímulo elétrico (gerado no corpo celular) em estímulo químico mediado pelos neurotransmissores (RELVAS, 2009, p.41).
Sendo assim, não lemos com os olhos, e sim com o cérebro, pois a imagem, ao ser subjetivamente percebida visualmente, é interpretada e utilizada pelo cérebro em um contexto de aprendizagem. Uma imagem que transita entre o simbólico e o real, ou seja, entre o sensorial e o cognitivo, devido às representações que suscitam das relações com o mundo, construindo e fixando conhecimentos linguísticos que traduzem a imagem reconhecida.
Logo, o cérebro vai à escola na interpretação das imagens que são elaboradas mentalmente, na ação de processar a informação que recebe, no registro sensório que realiza, no funcionamento da memória, nos ritmos biológicos que afetam o ato de aprender, na plasticidade cerebral e na aprendizagem que ocorre na contextualização das experiências socioculturais do formando.
professora-sala-aula_s_optNesse cenário, a compreensão de como o conhecimento é incorporado em representações de aprendizagem passa a ser subsídio imprescindível para a compreensão das ações de ensino, alterando a visão do educador no que se refere a aprender e a ensinar, levando-o a rever o então chamado fracasso escolar e as dificuldades de aprendizagem, modificando estratégias de ensino para que resultem em novas práticas pedagógicas que levem os formandos a alcançarem os objetivos propostos.
A educação deve favorecer a aptidão natural da mente em formular e resolver problemas essenciais e, de forma correlata, estimular o uso total da inteligência geral. Esse uso total pede o livre exercício da curiosidade, a faculdade mais expandida e a mais viva durante a infância e a adolescência, que, com frequência, a instrução extingue e que, ao contrário, se trata de estimular ou, caso esteja adormecida, de despertar (MORIN, 2000).
Uma educação que, por ser possuidora de uma finalidade, quanto ao sentido e valor da mesma na e para a sociedade, precisa estar atenta à necessidade de uma visão neurocientífica das ações educativas, as quais não devem estar dissociadas do entorno social dos formandos, mas a ele diretamente ligadas.
Lembrando que é na autorização à criatividade e à construção do conhecimento, pelo professor/facilitador, que o formando expressa sua emoção, interpreta criticamente as informações recebidas, estabelece as bases de formular conceitos e cria atitudes, ou seja, educa-se.
Rogéria Soares é Mestra em Ciências da Educação (Inovação Pedagógica) pela Universidade da Madeira (Uma-Portugal), especialista em Neuropsicologia e graduada em Psicologia.
E-mail: rogeria.f.soares@gmail.com
Referências
BOURDIEU, P.; PASSERON, J. A reprodução. Rio de Janeiro: Vozes, 2008.
ERLAUDER, L. Práticas pedagógicas compatíveis com o cérebro. Porto: Asa 2005. p. 155.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2004.
MIOTTO, Eliane. (2012). Neuropsicologia clínica. São Paulo: Rocca, 2012.
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez Brasília: Unesco, 2000. Disponível em: . Acesso em: 27 mar. 2010.
PAPERT, Seymour. Logo: computadores e educação. São Paulo: Brasiliense, 1985.
ROCHA, A. F., ROCHA, M. T. O cérebro na escola. Jundiaí: Gina, 2000.
VYGOTSKY, L. S. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2009.

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